“Vocês como não treinam é tudo muito fácil”

a vida de treinador, é ser constantemente ajuizado por quem não sabe o que se passa, não sabe o que é que o treinador pensa, como pensa e que constrangimentos enfrenta na operacionalização da sua ideia de jogo, na maior parte até podemos arriscar dizer que são completos analfabetos quanto ao jogo e ao treino… Mas a opinião coletiva desta massa tão importante para o fenómeno, condiciona e guia as decisões de quem decide rumos.”

(Antunes, 2014) em comentário a (Lumueno, 2014)

Jogar com o “físico”

Excluindo as acções de jogo aéreo, a situação mostra uma vez mais que a morfologia, no que respeita ao tamanho ou à “largura” do corpo, tem pouco significado no Futebol. Se uma das razões é o seu regulamento, que permite um contacto muito reduzido entre opositores, outra não menos importante, é a inteligência, que neste jogo se manifesta através da dimensão táctica, e que vai superando constantemente argumentos puramente físico-energéticos.

Modrić percebendo o risco do passe atrasado de Carvajal para Sergio Ramos dada a presença próxima de Thiago Alcântara, ajusta a sua posição, colocando-se no espaço certo para atrapalhar a pressão de Thiago e atrasar a acção do opositor. Uma fracção de segundo que foi suficiente para garantir outra qualidade à acção de Sergio Ramos. No fundo Modrić, usando a inteligência, joga com o físico, o qual não precisou de ser volumoso para ser útil ao jogo da equipa. O autor (Sampaio, 2013), defende que ““no futebol, ao contrário de muitos desportos, não há um estereótipo de “atleta”. Como exemplo, na prova de 100 metros do atletismo, é normal vermos atletas altos e musculados; na maratona é normal os atletas serem muito magros; no futebol não é assim, o jogador de futebol não é um atleta, simplesmente é jogador de futebol. Alguém pode dizer que Pirlo, Xavi, Aimar, Messi, David Silva, etc., são atletas? Eu não acho que sejam, simplesmente são jogadores de futebol. Como diz Klopp, a característica mais importante é mesmo a qualidade técnica e logo a seguir vem a inteligência de jogo”.

“O talento é o aspecto-chave no Futebol moderno. A habilidade natural e o talento são mais valiosos que a força física. Podem colocar em campo 11 jogadores fortes fisicamente, mas isso não será suficiente para vencer. Tem sido sempre assim ao longo dos anos.”

Xavi Hernández

Exercício gratuito

Publicamos um novo exercício gratuito: “Posse por zonas“.

O exercício surgiu num caderno de exercícios que José Mourinho terá colocado à disposição do Chelsea F. C. na sua primeira passagem pelo clube.

Na articulação de sentido entre momentos e princípios de jogo, dados os objectivos e características do exercício, o foco deverá estar no momento de transição ofensiva, respectivo sub-momento “Reacção ao ganho da bola”, mas principalmente no momento de organização ofensiva e respectivo sub-momento “Construção”, mas especificamente, na “Posse e circulação de bola”.

Será um trabalho que comportará algum risco de descontextualização pela ausência de alvos, portanto deverá surgir numa fase inicial da sessão de treino e deverá ser seguido de progressão de forma a enquadrar a Posse e os princípios aí treinados numa organização estrutural e noutras fases de construção que tragam o direcionamento do ataque e a procura da baliza adversária. O exercício apresenta-se muito propenso a progressões e adaptações, em função das necessidades de cada equipa.

Do exercício emerge uma necessidade dos atacantes sem bola garantirem várias soluções ao portador da bola, levando-os, entre outros comportamentos, ao Ajuste. O Ajuste, configura-se para nós como um deslocamento / desmarcação mais curto do atacante sem bola, de forma a que lhe garanta continuar a ser opção ao companheiro com bola. Os autores (Correia, et al., 2014), descrevem “o ajustar como a acção em que um jogador se movimenta e / ou orienta no sentido de se posicionar melhor para ser solução de passe. Desde já fica a noção de que os jogadores deverão estar sistematicamente a analisar tudo o que os envolve para que, desta forma, se possam ajustar o melhor possível. Por isso, ter jogadores permanentemente concentrados é absolutamente fundamental. Durante um jogo de futebol, é possível observar várias situações que dizem respeito à questão do ajustar, sendo que nem sempre o contexto é o melhor para a obtenção de sucesso. Por exemplo, há momentos do jogo em que um mau ajustamento por parte de um médio, o obriga a receber a bola de costas para a baliza do adversário, na ligação do sector defensivo com o intermédio, ficando sob pressão. Outra situação onde o ajustar ganha importância refere-se àqueles momentos em que o bloco defensivo adversário acompanha o movimento de circulação de bola. Nestes casos, alguns jogadores da equipa que se encontra de posse de bola estão “escondidos” por detrás de adversários, não podendo ser solução de passe por não se terem ajustado convenientemente”.

“O que faço é procurar espaços. A toda a hora. Estou sempre à procura. (…) Na actualidade, é quem não tem a bola que tem a missão de procurar espaços, de oferecer opções ao portador da bola, para que a equipa vá progredindo no campo. há tantas opções de passe. Às vezes, até penso para comigo: o não-sei-quem vai ficar aborrecido porque fiz três passes e ainda não lhe dei a bola. É melhor dá-la ao Dani Alves, porque ele já subiu pela ala três vezes. Quando o Messi não está envolvido, é como se ficasse aborrecido… e então o próximo passe é para ele.”

Xavi Hernández, 2010

O ajuste, portanto, o “Garantir permanentes apoios ao portador da bola” deve suceder, mesmo que a decisão posterior do companheiro com bola não seja o passe para o jogador que se movimenta sem bola, isto porque aumentará as possibilidades atacantes da equipa, tornando o seu jogo mais imprevisível. A compreensão disto pelos jogadores é fundamental, mas difícil, pois um jogador que realize consecutivos movimentos de desmarcação, e que por alguma razão não foi alvo de nenhum passe, tem alguma tendência a desvalorizar o que fez e a reduzir esses comportamentos. A bola é naturalmente o centro do jogo e a maior fonte de motivação de quem o joga, contudo, compreender a importância do jogo sem ela, quer nos momentos defensivos quer nos ofensivos, torna-se cada vez mais decisivo.

“As melhores equipas são as que conseguem envolver todos os jogadores neste jogo de apoios, de linhas de passe permanentes (sempre à direita, à esquerda, à frente e atrás do portador da bola). Quanto mais opções o portador da bola tiver, maior imprevisibilidade terá o jogo da sua equipa.”

(Bouças, 2011)

O jogo como ciência, e as crianças como cientistas

Se atendermos à definição de ciência no “sentido restrito”, a qual “refere-se ao sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico bem como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tais pesquisas”, expresso na (Wikipédia, 2017), então a frase que intitula o artigo deve ler-se no sentido figurado. Isto claro, se também entendermos o método científico pela visão clássica de Descartes e Newton. Obviamente que o futebol tem uma margem reduzida de pesquisa em laboratório e de comprovação teórica através destes pressupostos. Esse foi um dos erros que o pensamento analítico e mecanicista introduziu no jogo, no seu treino e na sua liderança, concretizado por exemplo em ideias de jogo que privilegiam a resolução individual, na Periodização Física, na excessiva importância dada à estatística, em lideranças que separavam a equipa em partes, dando mais importância a determinados elementos entendidos como mais valiosos, em detrimento de outros.

No entanto, segundo a mesma fonte, a ciência (do latim scientia, traduzido por “conhecimento”) refere-se a qualquer conhecimento ou prática sistemáticos“. Assim, nesta interpretação mais lata, pode surgir o futebol, pelo conhecimento que emerge da prática sistemática dos seus intervenientes. Neste enquadramento, e na perspectiva técnica, o treinador português (Jesus, 2015), explica que criou e desenvolveu uma metodologia com a sua equipa técnica ao longo dos anos que treinou. Jorge Jesus ressalva que não sendo uma ciência exacta”, criaram “uma ideia, uma ideia de treino, uma ideia de jogo, trouxemos muitas coisas novas para o Futebol”, e remata “o Futebol tem ciência, e ela começa no treino”.

“As pessoas riram-se muito quando Jesus disse que tinha inventado uma ciência, fartaram-se de rir disso, e é uma estupidez porque uma ciência é um corpo organizado de conhecimentos, e portanto o que o Jorge Jesus fez foi isso de facto. Ele tem, provavelmente até tomou apontamentos e armazenou, um conjunto sistematizado de conhecimentos sobre uma determinada matéria e que põe em prática com óptimos resultados, coisa que boa parte dos cientistas não se pode gabar.”

Ricardo Araújo Pereira

Na mesma linha de pensamento, Jorge Maciel, acrescenta que treinar tem muito de Ciência, mas não menos de Arte, e é a articulação bem conseguida entre estes dois planos que permite o sucesso”. O mesmo autor refere ainda que é uma ciência que se encontra “na esteira do pensamento sistémico e como tal coloca a ênfase nas relações, na qualidade e nos padrões, sem refutar na sua evolução a intuição, mostrando assim que tal como treino, também a Ciência de qualidade requer Arte“. Manuel Sérgio defende ainda que “o futebol “é uma ciência, tem de ser estudado e praticado como uma ciência humana, porque são homens e cada ciência humana estuda o homem à sua maneira“.

“Passado meio-século, a nossa visão da natureza mudou radicalmente. Onde a ciência clássica falava de equilíbrio e de estabilidade, vemos agora flutuações, instabilidades, processos evolutivos. E isto a todos os níveis, desde a cosmologia à biologia, passando pela química.”

Prefácio do livro de Prigogine e Dilip Kondepudi, editado pelo Instituto Piaget, Termodinâmica – dos motores térmicos às Estruturas Dissipativas, citado por (Sérgio, 2016)

Se mudarmos ligeiramente a perspectiva, podemos ir mais longe e interrogarmo-nos se o jogador não poderá assumir o papel do tradicional investigador e o jogo, o seu laboratório. Porque no fundo é, em primeiro lugar, ele que experimenta, ele que erra, ele que aprende, ele que evolui, ele que constrói um corpo de conhecimento, mesmo que este surja predominantemente no domínio do saber fazer. E desta forma também nos interrogamos se, assim, o jogo também não se torna numa ciência que se desenvolve nos pés, ou melhor, na cabeça de quem o joga.

Este pensamento conduz-nos a outro problema no contexto do Futebol de Formação. O papel do adulto enquanto condicionador das experiências que a criança obtém através do jogo. Isto, claro, partindo do pressuposto que o treino para o adulto é jogo. Cada vez vai ganhando mais força a ideia da importância do Futebol de Rua, das suas características singulares, e da prática sistemática que este promove. Da forma como esse contexto, desprovido de adultos, liberto da pressão que o erro significa para os mesmos, leva a criança a ser o “cientista”, experimentando, aprendendo o jogo com este como o professor, proporcionando-lhe evolução, fazendo emergir o talento e até conhecimento. Em conversa com um amigo e treinador de futebol de formação, ele relatava que “engraçado foi os miúdos dizerem que o melhor jogador do jogo de sub-14 era o… mais pequeno da equipa deles!!! Até eles sabem que o tamanho conta pouco quando a qualidade é muita!” Portanto, é constantemente o adulto, baseando-se em lugares comuns, em experiências castradoras, no pensamento analítico que o domina fruto do paradigma educativo e social vigente em que cresceu, que acaba por deseducar futebolisticamente a criança, castrando-lhe pelo caminho, a criatividade e o pensamento divergenteComo esse treinador referia… “o problema das crianças é… tornarem-se adultos”.

“Antigamente, sobravam tempo, espaço e oportunidades para as crianças jogarem longe das regras dos adultos. Nesses espaços não havia limite de toques ou caminhos proibidos. Muito menos caminhos obrigatórios.”

Paulo Sousa citado por (Amieiro, 2009)

Defesa Individual em situações de bola parada III

“Com os anos, compreendi que eu gostava mais que me marcassem homem a homem porque me livrava facilmente deles e ficava livre. Ao contrário da marcação à zona que era muito mais complicado.”

Maradona citado por (Tobar, 2010)

“O carácter não é um dom, é uma vitória”

A frase que intitula o artigo é de Ivor Griffith e encaixa naquelas que deveriam ser as verdadeiras vitórias do desporto de formação. Ao invés, semanalmente assistimos a uma deterioração dos valores e consequentemente dos comportamentos de todos os agentes desportivos. Num enquadramento em que a vitória na competição é o mais importante, onde vale tudo para atingi-la, e onde também se assiste a uma incrível normalização violência verbal, não é então para nós surpresa que a escalada para a violência física, protagonizada nas situações sucedidas recentemente nos vários níveis do jogo, suceda.

Também semanalmente, num programa raro na televisão portuguesa tendo em conta os temas abordados, são sublinhados os problemas, as causas e por vezes até são apontadas algumas soluções. Várias vezes da boca de um homem que percebe verdadeiramente o que é liderar e da responsabilidade que a função carrega. Não é difícil perceber onde está a raiz do problema, mas Tomaz Morais, com a ajuda dos companheiros de programa, explicam. Sendo verdade, que pelas funções que ocupam, existem uns mais culpados que outros, como Tomaz Morais sublinha, todos somos culpados.

Somos todos culpados e deixamos um exemplo. Antevemos que muitos dos que se calhar até concordam com esta visão e criticam os outros múltiplos programas da televisão portuguesa que fomentam estes problemas, mas que ainda assim despendem horas da sua semana garantindo-lhes audiência, não gastem onze minutos com o vídeo acima, e no fundo com o tema mais importante de todos.

“A liderança ética deve prevalecer.”

Tomaz Morais

“Tudo aquilo o que aprendi sobre a moral dos homens, aprendi-o nos campos, jogando futebol.”

Albert Camus

Drible | Túnel de sola

Organização Ofensiva | Acções individuais ofensivas | Drible + Túnel de sola | Rodrigo Soares 2017

Os homens também choram

Porque são homens que jogam e que assumem as decisões. Portanto, antes de todos os outros, são eles que sentem.

“O próximo marco eu!”

Alex Ferguson, após quatro penaltis falhados pelo Manchester United.