Compensação. Um comportamento individual que garante uma qualidade colectiva.

Trazemos hoje um comportamento táctico, que sendo um detalhe para muitos, na realidade a sua importância é tremenda em todos os momentos do jogo, pela forma como procura garantir a sua natureza inquebrantável e colectiva. Como tal escolhemos uma situação em que o comportamento em causa surge em organização ofensiva e defensiva, ilustrando a sua importância no jogar da equipa.

Neste excerto de jogo, primeiro em Organização Ofensiva, Otamendi procura conduzir em construção. Depois de soltar a bola, ficando num espaço mais avançado aos seus companheiros de sector, indica a Touré o espaço a ocupar de forma a garantir a sua compensação e apoio interior a Stones, entretanto em posse. Ainda no momento ofensivo, após mobilidade e trocas posicionais dos jogadores mais avançados, Sané, originalmente Médio-Esquerdo, encontra-se no corredor central. Na perda de bola do City, Sané reage de imediato percebendo logo o espaço a fechar, compensando aqui De Bruyne. Será ele, por estar no espaço certo na relação com o resto da equipa, quem irá recuperar a bola. No momento final e após nova transição, a equipa regressa à sua estrutura inicial, com o corredor central a ser ocupado por Touré, De Bruyne e David Silva.

Para (Gomes, 2015), as compensações ou também conhecidas como permutas “são acções efectuadas pelos defesas para cobrir e ocupar espaços e assumir funções de outros companheiros envolvidos momentaneamente na realização de outras funções”. Para o autor, pretende-se com estas acções:

  • “Assegurar a ocupação racional do terreno de jogo;
  • Conferir segurança defensiva;
  • Assegurar a repartição equilibrada do esforço dos jogadores.”

Se bem que a interpretação anterior, provavelmente a mais comum, relaciona a compensação com o momento defensivo, segundo (Leitão, 2010), a mesma é “uma readequação posicional e/ou de operação, que permita, sob o ponto de vista organizacional, manter o equilíbrio da equipa (seja para estruturar o espaço de jogo, seja para fazer valer uma regra de acção)”. Portanto esta ideia é válida para todos os momentos do jogo.

Por outro lado, compensar significa não só promover uma ocupação racional do espaço de jogo, procurando contribuir para a qualidade de cada um dos momentos de organização, mas também antecipar os momentos seguintes, mantendo a equipa equilibrada ora defensiva, ora ofensivamente. O autor (Maciel, 2011) defende que este é “um aspecto também muito importante, e que passa pela coerência e pelo respeito pela inteireza inquebrantável que o jogar deve manifestar de modo a que se expresse de forma fluída, dinâmica, ou seja que revele ao nível da matriz conceptual articulação de sentido com um determinado sentido”.

Podemos ir mais longe e destacar a compensação como um dos comportamentos que defendem um jogo que é colectivo e que por inerência, tem de ser solidário. Quer a defender, quer a atacar. É também uma consequência de uma maior mobilidade que os jogadores ganharam dentro dos modelos, surgindo assim como um tendência evolutiva. O treinador português (Jesus, 2009), vai ao encontro desta ideia, ao referir que “vai ser esse o grande segredo e evolução do Futebol no futuro, em todo o mundo: Vários jogadores com capacidade para actuarem em várias posições.

“O padrão da estrutura aparente

é p’ro século vinte e dois

a face oculta das interacções não mente

p’ra imaginar o que virá depois.”

(Frade, 2014)

Exercício gratuito

Publicamos um novo exercício gratuito: “Perda em construção na primeira linha“.

O exercício que trazemos reforça a importância da articulação de sentido, desta vez predominantemente no Modelo de Jogo Idealizado, mais precisamente na articulação entre os diferentes momentos do jogo. Segundo (Frade, 1998), citado por (Amieiro, 2009), a propósito da articulação de sentido entre exercícios, “os «exercícios», em si mesmos, têm pouco valor. Têm unicamente informação potencial. A ênfase que eu coloco nisto e naquilo enquanto o «exercício» acontece, o modo como eu ligo isto com aquilo e a articulação entre «exercícios», são os aspectos mais importantes e os mais difíceis de dominar. E dependem exclusivamente do treinador. Por isso é que eu digo que os «exercícios» nunca são novos. Têm de estar sempre relacionados uns com os outros”.

Sendo que neste caso, o próprio grande objectivo deste exercício é preparar a equipa para um momento perigoso de perda da bola, quando a mesma está no sub-momento de construção, pela sua primeira linha. Independentemente de ninguém querer a perda da bola nesta situação, a consciência que mais tarde ou mais cedo isso irá suceder será sintoma de inteligência e a antecipação de um futuro inevitável. Conter, recuperar a organização possível e saber defender o contra-ataque tornam-se aqui decisivos, portanto, alvo necessário do treino.

Nesta lógica estamos perante um reduzir sem empobrecer, porque, segundo Edgar Morin, “o todo está nas partes que estão no todo”. Ainda (Frade, 2012) explica que reduzir sem empobrecer, é estar “consciente de que o que está a suceder com cada jogador é aquilo que em termos de intermitência sucede na sua função durante a partida, quando treinamos em espaços reduzidos, por exemplo”. Também de acordo com (Batista, 2006), “aos exercícios de treino está implícito, um carácter fractal, porque na perspectiva evidenciada anteriormente deverão contemplar a singularidade do todo. Através dele treina-se um princípio ou sub-princípio do Modelo de jogo, ou seja, os padrões fractais do comportamento (Oliveira, 2004; Frade, 2004)”. Ainda Pedro Baptista conclui que “no processo de treino podemos e devemos treinar “pedacinhos” do nosso jogo, isto é, treinar este ou aquele princípio de jogo deste ou daquele momento, mas cada pedacinho deve ter a matriz do todo, subentenda-se todo, como o “jogar” que queremos para a nossa equipa, no fundo devemos respeitar o todo que está na(s) parte (s) que está (ão) no todo (Frade, 2004)”.

“Não atender à fractalidade do Jogo e de um «jogar», torna-se uma fatalidade”.

(Maciel, 2008)

Boa e má decisão…

…ao contrário do que a bancada pedia.

Num primeiro momento André Carrillo parece temporizar, aguardando soluções de passe dos companheiros mais avançados, dada a distância dos mesmos, mas provavelmente também pela presença de três adversários que lhe podiam realizar oposição caso optasse pela condução. A sua decisão revelou-se de qualidade, pois conseguiu continuar a progressão do contra-ataque pelo corredor central, num passe vertical para Mitroglou. Tudo isto perante a impaciência da bancada que lhe pedia para acelerar em condução, na sempre presente vertigem pela velocidade descontextualizada. Perdeu 3 segundos de deslocamento, mas ganhou uma melhor situação de ataque à baliza adversária. Ironicamente, o pedido foi satisfeito logo a seguir por Sálvio, que acaba por perder a bola…

Ainda recentemente, o Pedro Bouças escrevia aqui que “demasiadas são as vezes, em que porque o essencial é invisível ao olhos, que o talento escapa. Os melhores também terão a sua cota parte de responsabilidade. Porque percebem mais rápido o jogo e entendem a sua superioridade intelectual, sentem-se eternamente injustiçados e deixam de arregaçar as mangas. O mundo não os percebe e conspira. E o talento entrega-se”.

Concentração ou coragem… específica?

“Nunca confunda movimento com acção.”

Ernest Hemingway

“Para fazermos uma equipa funcionar, para fazermos uma verdadeira equipa, nós temos que ter os onze jogadores com a coragem de ter iniciativa, terem a coragem de quererem a bola, a coragem de quererem assumir o jogo”.

Paulo Fonseca, 2016

Intensidade no Futebol V

“Jogo de grande Intensidade… Não há pausas! Futebol rijinho… De grande intensidade. A bola até faz faísca.” Imbuída num êxtase incompreensível para quem gosta deste jogo, este foi mais um comentário de um jornalista, proferido nos últimos dias durante a transmissão de um jogo do campeonato brasileiro.

Porém, parece surgir entre os jornalistas e analistas, uma visão diferente da intensidade… no futebol. Consequentemente, ou consequência de…, surge também um entendimento mais evoluído e complexo do jogo. Assim provam que, à semelhança de jogadores e treinadores, esta classe profissional também pode evoluir o seu conhecimento e tornar o fenómeno globalmente melhor.

“Falta Intensidade Táctica. Poderei chamar de Intensidade Táctica, a razão entre o aplicar da minha forma de jogar e o tempo de jogo. Quanto maior for o tempo de jogo que a minha equipa conseguir aplicar a sua forma de jogar, reduzindo a do adversário, é tanto maior a sua Intensidade Táctica.

(…)

Então, é preciso treinar a/em concentração. Como? Treinando com exercícios de complexidade elevada, que exijam concentração, “obrigando” a equipa a estar concertada durante os 90 minutos, cumprindo as missões no jogo, mantendo uma Intensidade Táctica elevada.”

Rui Sá Lemos, 2007, em carta à redacção do website MaisFutebol, portanto há… 10 anos.

“Não se remata de bico!”

Não se remata de bico!” ou “Não se passa de trivela!” eram, e ainda são, exemplos de frases ouvidas no futebol de “formação”. Da bancada, e mais grave, da boca de alguns treinadores. Mais uma expressão do pensamento redutor, que em determinado momento da evolução do jogo quis passar a mensagem que apenas algumas acções individuais seriam úteis, conduziam o jogo para um mecanicismo estéril. Acções que saíam “fora da caixa” seriam condenadas e catalogadas como excessos e traços de jogadores inconsequentes. Assim, para aqueles que ambicionavam chegar ao futebol profissional e tinham essa oportunidade, ou desenvolviam estes recursos durante o seu percurso no jogo informal ou estavam condenados a serem os “operários” da equipa.

Portanto, em auto-descoberta tal como sucedia na rua, o jogo ensinava-nos outra coisa. Que qualquer acção podia ser útil e tudo dependia da sua adequação ao contexto e à situação. Se Romário não tivesse experimentado, sentido o jogo e criado o seu jogar na liberdade que a rua lhe permitia, provavelmente não tinha desenvolvido o seu remate tão característico e eficaz.

“A bola rolava expontaneamente pelas ruas da Vila da Penha, em campos improvisados ou nas «quadras» de futebol de sala. Cada porta era uma baliza, cada duas pedras marcavam o lugar de outra. Bolas improvisadas, joelhos rasgados, faltas na escola, a infância de Romário foi igual à de tantos rapazes brasileiros, que nasceram antes ou depois dele.”

(João Pedro Silveira, 2011)

“Não tem padrão

a precisão,

o exacto

depende de cada acto,

na semelhança da configuração

a dimensão técnica está no padrão,

configurando a variabilidade

que como execução

só o exacto da precisão

acerta com complexidade.”

(Frade, 2014)