Um golo raro

Um golo raro, para nós não por eventualmente ter sido caricato, mas por ter sido marcado no momento de Transição Defensiva. No caso, surge especificamente num sub-momento da Transição Defensiva do nosso Modelo de Jogo Idealizado, a Reacção à Perda da Bola:

Reacção à perda da bola no Modelo de Jogo Idealizado

Reacção à perda da bola no Modelo de Jogo Idealizado

Interessa também compreender que cada treinador pode conceber este sub-momento de forma diferente. Poderão existir, por exemplo, os que priorizam a recuperação de determinado número de jogadores atrás da linha da bola, ou a imediata recuperação da equipa para determinado espaço do campo. A nossa prioridade na reacção à perda da bola é a pressão imediata na bola. Nesta situação a mesma, ainda que de forma muito feliz, esta pressão dá golo. E marcar no momento de Transição Defensiva, é extremamente raro, pelo menos do ponto de vista táctico.

Um novo começo

Euro 2016 – «O Filme» – Tomás Rondão & Telmo Esteves 2016.

Seria para nós incontornável, até como forma de celebrar esta nova etapa do projecto Saber Sobre o Saber Treinar, que o primeiro artigo do blog deste novo site abordasse o recente êxito da Selecção Portuguesa no Campeonato da Europa. Após a ressaca emocional, na qual um pouco por todo o lado se produziram textos e videos marcantes, abordamos aqui também o momento histórico vivido. Sendo um objectivo deste projecto evitar fronteiras, subsistem no entanto naturais diferenças culturais entre os muitos povos que têm contribuído para a história deste jogo, tornando-se as mesmas oportunidade de reflexão. Não nos esquecemos ainda das nossas origens, as mesmas de um povo que apesar de pouco numeroso, habituou o mundo a grandes feitos, e origens essas que são também o berço de muitas das ideias aqui estudadas e desenvolvidas.

Neste sentido, sentimos que essas raízes foram os alicerces do sucesso da equipa portuguesa, e recuando na história do país, recordamos outros momentos tão ou mais marcantes que este que agora vivemos. Se for possível resumir tudo isso numa palavra, talvez esta seja, superação. Reforçada por uma criatividade sem paralelo que possibilita  a este povo a resolução dos problemas mais difíceis, no entanto, só essa superação permite que um país pequeno, em muitas situações perante escassos recursos, consiga realizar feitos à partida impossíveis. Se os Descobrimentos foram provavelmente o derradeiro exemplo de conquista que Portugal proporcionou ao mundo, a história do desporto português e em particular do futebol, encontra-se rica em feitos notáveis. Muitos não significaram títulos, mas constituíram desempenhos que colocaram selecções e clubes entre a elite do futebol mundial, facto que muitos apontam como presentemente inigualável para a maioria das áreas de actividade do país. Será que tem de ser mesmo assim? De qualquer forma, independentemente dos diferentes contextos, este acumular de conquistas, fez crescer a auto-confiança, a experiência e potenciou futuras gerações. A vitória da selecção Portuguesa no Euro 2016 é por um lado uma consequência de todo o trajecto realizado até aqui, e por outro, um enorme catalisador para o futuro.

Falando concretamente do jogo da equipa, não procuramos uma análise estética do mesmo, que entre adeptos é geralmente atribuído ao espectáculo que as equipas proporcionam. Também porque, tal qual uma obra de arte, este será sempre discutível perante os valores, sensibilidade e cultura de cada espectador. Esse não é nosso foco, até porque no futebol, a noção de espectáculo apresenta-se nesta fase da sua evolução  muito associada à intermitência da organização das equipas, e consequentemente à ausência de controlo do jogo pelas mesmas. Este contexto resulta em mais oportunidades de golo e assim, provavelmente, em maior número de golos, o que é imediatamente associado a essa ideia mais difundida de espectáculo. Portanto, se aqui procuramos e idealizamos uma forma de jogar futebol, coerente com as suas regras e contexto, que nos permita uma aproximação ao rendimento, isso não está directamente relacionado com o espectáculo que eventualmente pode ou não proporcionar à maioria das pessoas. Neste âmbito, o da forma de jogar, temos que dizer que a selecção portuguesa, apesar de ter apresentado abordagens ao jogo diferentes ao longo da competição, manteve-se nalguns momentos afastada das ideias que procuramos. Porém, isso não significa que o seu trajecto e a sua conquista não tenham sido meritórias, e que não tenha demonstrado outras qualidades exemplares. O contexto, tornou-se uma vez mais decisivo. Procuramos porém compreender, de todas as dimensões do seu desempenho, o que nos pode aproximar do sucesso mais vezes, e retirar daí experiência para o futuro.

Assim, e apesar das análises a desempenhos “mentais” serem por nós muitas vezes relativizadas dada a sua incrível complexidade, torna-se para nós evidente que a mentalidade demonstrada pela equipa portuguesa, expressa pela ambição na procura da superação foi sem dúvida algo em evidência.

Ainda na face visível do desempenho, o jogo da equipa, observou-se um crescimento táctico ao longo da competição. Abordámos aqui o primeiro jogo da equipa portuguesa, fundamentalmente pelos erros basilares de organização defensiva apresentados, e a realidade é que a equipa evoluiu e ultrapassou algumas dessas deficiências até ao final do campeonato. Naquele contexto competitivo isso foi para nós decisivo, e se isso não tivesse acontecido, mesmo não defrontando as equipas mais fortes do torneio, Portugal dificilmente teria chegado à final. O que importa sublinhar é que esta equipa mostrou-nos a todos que tudo é possível partindo de uma dimensão mental fortíssima. Como grande grande exemplo individual, temos Éder Lopes, que mostrou e transmitiu, que mesmo num momento em que praticamente ninguém do lado de fora da equipa acreditava na sua qualidade, foi mesmo possível ser decisivo no desfecho final da competição. Deste modo, mais do que táctica, organização ou cultura de jogo, este foi um momento que expôs qualidades a um povo que vivia acreditando que não as possuía. Tornou-se acima de tudo uma oportunidade para um novo começo. A oportunidade para uma cultura construir em cima das suas qualidades e conhecimentos ímpares, uma mentalidade que já não se satisfaz com o “quase”. Provou-se ser mesmo possível o derradeiro sucesso e assistiu-se no fundo, a uma mudança cultural no Futebol Português.

Mais recentemente, nos Jogos Olímpicos, Telma Monteiro reforçou esta ideia após a medalha conquistada:

Telma Monteiro, 2016.

Este momento surge então como uma enorme oportunidade para potenciar a mentalidade de todos os que actuam no Futebol, mas não só. Neste espaço é também nossa missão passar a convicção que as razões que levam os portugueses a tudo isto são bem mais profundas que o fenómeno desportivo. Tal como o poeta e filósofo Agostinho da Silva disse, “a nossa matéria-prima é o que temos entre as orelhas”.

Neste enquadramento, acreditamos que há muito que Portugal apresenta escolas de pensamento e ideias sobre o jogo e o treino mundialmente revolucionárias. Apesar de alargamos a nossa investigação a muitas mais culturas, não nos é indiferente o enorme contributo que os portugueses têm garantido ao Futebol, através de jogadores, treinadores e autores que ficarão para a história como referências no jogo. Acreditamos ainda que actualmente, também influenciada pelo sucesso de algumas dessas figuras, vivemos um momento ímpar de interesse sobre o papel do treinador, o que tem gerado enorme debate de ideias, nomeadamente na internet, que se constituiu como um suporte decisivo nesta evolução. Neste movimento, constatamos que proliferam pessoas, cada vez mais novas, a pensar e a discutir o jogo e isto só poderá resultar em evolução, melhores treinadores, melhores equipas e melhores jogadores. Como explicado desde a sua génese, este projecto procura contribuir também nessa missão. E este novo website irá proporcionar meios para tal.

É então oportunidade para um novo começo. No futebol português e neste projecto.